quinta-feira, 31 de julho de 2014

FRASE DO MÊS



"A beleza salvará o mundo." 
            Fiodor Dostoievski

P.S.: Quadro "Cristo Morto" (1521), de Hans Holbein. 

quarta-feira, 30 de julho de 2014

SERTÃO



Nessa terra ressequida,
Tantas vezes esquecida,
Pouca água cai no chão;
De um povo resistente,
Desde muito padecente
Das agruras da estação.

Gente pobre oprimida,
Generosa e destemida,
De Luiz, rei do Baião;
Do forró, da simpatia;
De prece e de valentia:
Padim Ciço e Lampião. 

Terra do roceiro bravo,
Da peleja qual escravo,
Do vaqueiro de gibão.
Terra de tanta poesia,
De viola e cantoria,
Da festa de apartação.

Terra do caboco pardo,
Agarrado em duro fardo
Nas lidas da plantação;
De um povo inteligente,
E de mulherio decente;
De Lunga e Frei Damião.

Berço da mãe heroína,
E da doce cajuína,
De Alencar e de Tristão.
Terra de bastante glória,
 A mais fértil da história,
Conhecida por Sertão.

Eliton Meneses

sábado, 26 de julho de 2014

SEU LUNGA



No Centro de Juazeiro do Norte/CE, é fácil encontrar Seu Lunga. Todos sabem informar onde fica a sucata daquele que carrega a má fama de "homem mais ignorante do mundo", de qualquer sorte uma lenda viva da cultura popular nordestina. 
Avistei Seu Lunga sentado, solitário e compenetrado, na entrada de sua venda. Aproximei-me cauteloso. Um casal acabara de cumprimentá-lo e Seu Lunga, com indiferença, recusara-se a posar para uma fotografia. 
Tomei coragem e o saudei.
– Olá, Seu Lunga! É um prazer conhecê-lo!  
– Oba! Mais ou menos! Respondeu Seu Lunga. 
– Tem tudo no mundo na sua loja, não é, Seu Lunga?
– Não! Não tem elefante, nem trem, nem onça, nem avião...! Não tem tudo no mundo na loja, não!  
– Tudo bem, Seu Lunga! Mas o que o senhor recomendaria para a gente levar de lembrança do Juazeiro?
Seu Lunga pensou, coçou a cabeça, olhou para o interior da sua sucata e disse:
– Escolha você mesmo!
Percorri por alguns minutos o corredor estreito, em meio à enormidade caótica de bregueços, mas sinceramente não encontrei nada em especial que me despertasse o interesse. Por sorte, no retorno Seu Lunga mostrou um saco de anéis. Escolhi dois e paguei sete reais. Antes de me despedir, olhei no fundo dos olhos de Seu Lunga e vi um homem de alguma forma destroçado pela amargura e pela tristeza, muito diferente do folclórico sujeito impaciente tão cantado em verso e prosa no anedotário popular. Uma aura negra parecia envolvê-lo. Também me acabrunhei. Não tive ânimo para seguir a conversa, apenas perguntei se ele estaria disposto a tirar uma foto.
– Pode ser! Respondeu Seu Lunga, para minha surpresa. 
Logo depois de sair da sucata de Seu Lunga, algumas quadras depois, soube que ele, há dois dias, havia enterrado seu filho caçula e que o seu outro filho homem também havia morrido há apenas dez meses. 
Seu Lunga realmente estava tomado pela amargura e pela tristeza. Não conheci Seu Lunga, o lendário cabra impaciente do anedotário popular, mas o homem Joaquim dos Santos Rodrigues, um pai enlutado com a perda de dois filhos. 

segunda-feira, 21 de julho de 2014

ELUCUBRAÇÕES CEREBRINAS



João Santos da Rocha era um poço de desilusão. Julgava-se um fracasso em tudo na vida. Tinha trabalho, dois diplomas, amigos, casa própria, carro novo na garagem, contas pagas, mas tudo no mundo o entediava. Dividia a casa com Calçado, seu confidente cachorro vira-latas. Depois que flagrou a namorada de infância aos beijos com o desafeto da escola, resolveu nunca mais confiar nas mulheres. Quando a insônia e a falta de apetite se lhe apresentaram no rosto encarquilhado refletido no espelho, procurou finalmente se aconselhar com um colega de trabalho.  
– O que você acha que eu devo fazer, Cardoso? 
– Tá na hora de tu arranjar uma mulher, homem! 
João julgava que uma mulher seria mais um agravo do que uma solução para os seus problemas. Teve contrariado que se socorrer de um médico, que, com o resultado dos exames, lhe prescreveu um calmante natural, a mudança de hábitos e uma dieta macrobiótica. 
Depois de uma leve melhora, as inquietações medonhas recrudesceram. Quando soube que Calçado fora acometido pela hidrofobia e que devia ser sacrificado, começou a nutrir a ideia de seguir o mesmo destino do seu sorumbático animal de estimação.   
Com a licença médica no emprego, pôs-se a caminhar dia e noite detido em devaneios e elucubrações cerebrinas. Seu mundo era um labirinto indecifrável, cinzento, sem cheiro e sem sabor. Desejava dar cabo àquele sofrimento sem fim. 
Certo dia tomou coragem e armou uma corda na goiabeira do quintal. Foi ao banheiro, encarou seu rosto sofrido no espelho, respirou fundo e, antes de cruzar a soleira, abandonou o plano suicida, ao avistar Calçado solto no quintal, debatendo-se num acesso furioso da hidrofobia, e ficar com medo de levar uma mordida do animal...    
João Santos da Rocha procurava respostas para suas muitas perguntas e, como não as encontrasse, cada vez mais se considerava no fundo de um poço sombrio. Num passeio pela beira-mar, porém, ficou surpreso com um sujeito na areia da praia que, sem nenhum dos braços, parecia ensaiar os requebros de uma dança inaudível. João, cuja sanidade física sempre fora impecável, foi ao encontro do sujeito para tentar desvendar a razão de tamanha felicidade.
– Ó, moço, diga-me o que lhe faz tão feliz, mesmo lhe faltando ambos os braços?  
– Feliz? Mas que feliz nada, moço! Eu só estou é querendo coçar o ás e não posso!
Três meses mais tarde, sem Calçado, mas com Sovela, sua nova cadela, João, em franca convalescença, resolveu pedir a veterinária em noivado.

sábado, 19 de julho de 2014

ALTOS E BAIXOS


EM ALTA

A criação do banco de fomento do BRICS para fazer frente à hegemonia financeira do FMI. Com capital inicial de apenas 50 bilhões de dólares, o banco nasce como uma mosca na sopa do imperialismo americano, mas que anuncia um início de rearranjo da geopolítica global.

EM BAIXA

Em Coreaú, o Matadouro Público continua interditado e em ruínas. A carne que as pessoas consomem vem dos chiqueiros dos quintais ou das moitas da beira do rio, sem qualquer controle sanitário. Enquanto isso, já iniciaram a reforma geral da Praça do Mercado, a mais nova e bem conservada da cidade... 

EM ALTA

A comemoração da conquista da Copa do Mundo pela seleção alemã com uma dança pataxó em pleno Maracanã. Será que fosse o Brasil o campeão alguém recordaria das nossas raízes culturais?! Enfim, a taça está bem entregue! 


EM BAIXA

Em Coreaú, o calcadão da cidade – uma das poucas opções de lazer – não tem um único banco sequer para as pessoas sentarem. Quanto custa instalar dez bancos de ferro e madeira ou mesmo de cimento? Por que tanta indiferença no enfrentamento de questão tão simples?

terça-feira, 15 de julho de 2014

FAIXA DE GAZA



Mortes, mortes e mais mortes! Morte do lado de lá. Muita morte do lado de cá, Faixa de Gaza, Palestina. Corpos de crianças espalhados pelo chão. A estupidez insana turva os olhos atônitos do mundo. Religião, geopolítica, ganância – muita ganância... Aliados mui esquivos. Eita, mundo dividido! Autodeterminação dos povos sem direitos humanos? Terrorismo palestino, ianque, árabe e judeu! Banho de sangue, dor sem fim. Tanto sangue derramado pela rua. Sangue inocente das crianças. Mais sagrado do que todos os estados, interesses e religiões. Até quando meu Deus?! Mundo, ó mundo, até quando? Até quando ficarás sentado? Até quando ficarás sentado no camarote confortável dessa peça infame da vida real? 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

ENCHENTE


A profecia dos antigos se cumpriu. As chuvas copiosas não cessavam nas cabeceiras do rio. As paredes dos três açudes romperam uma atrás da outra. A enchente inundou o vale inteiro durante sete dias e sete noites. A aflição tomou conta do povoado de Palmoca. Ainda era noite quando as águas começaram a ganhar as ruas. Não havia tempo para salvar os pertences. Seria perigoso ficar no povoado. Não se sabia que altura o rio alcançaria. Os mais assombrados diziam que cobriria a torre da igreja. A população inteira seguiu o cortejo desordenado até o alto do serrote. Lá de cima, viram a cidade como nunca tinham visto antes. As luzes dos postes clareavam a correnteza que varria as ruas estreitas, carregando tudo que havia pela frente. Na segurança do serrote, os olhos marejados de dez mil pessoas acompanhavam atônitos a impiedosa tragédia.  
Ninguém dormiu durante a noite. Quando o sol raiou, somente alguns sobrados não haviam sido completamente cobertos pelas águas. Alguns víveres foram chegando em barcos de lugares distantes. Muitas trempes improvisadas pontilharam todo o alto do serrote. Ninguém arredou pé, apesar dos muitos apelos para ganharem o mundo. Queriam resistir. Esperar a tempestade passar para retornar para a reconstrução de seus lares. Tinham raízes e recusavam cortá-las.  
Nos sete dias em cima do serrote, todos ao relento aguardaram com esperança as águas baixarem. Por medo ou por superstição, ninguém resolveu voltar antes da hora. O silêncio predominava no acampamento caótico. Alguns cortavam lenha e outros somente monologavam com o olhar fixo na terra inundada. As mulheres abanavam as trempes e as crianças, desanimadas, ficavam quietas por perto. 
Na reunião geral da primeira noite, algumas teorias tentaram explicar o cataclismo. Seria um castigo de Deus pelos pecados do povo; seria um episódio fortuito decorrente do aquecimento global; seria um defeito na construção dos açudes... Ao final, não houve consenso. Depois de muita exaltação, decidiram somente resistir até o sétimo dia e rezar um pai-nosso.
Como dizia a profecia, o povoado reapareceu intacto depois do sétimo dia. As paredes não haviam brejado, pouca coisa havia sido arrastada pela força da corrente; como por milagre, os danos materiais tinham sido mínimos. Não seriam necessários muitos esforços para retomarem a vida.  
Com pouco tudo voltou ao normal. O trauma foi sendo enfim esquecido. Não mais se falava da enchente. Cada um mergulhou no seu isolamento. Nunca mais o povoado voltou a se reunir. 

quarta-feira, 9 de julho de 2014

VEXAME HISTÓRICO



A Alemanha era favorita, poderia ter vencido naturalmente, mas não precisava ser um vexame histórico! Se ela sofreu pra vencer Argélia, EUA e até pra empatar com Gana, não deveria passear em cima do Brasil. A Seleção teve um apagão terrível e jogou talvez a pior partida de sua história, logo quanto teria que jogar a sua melhor partida para ter change de vencer um time alemão tecnicamente superior.
A ausência de Neymar e de Thiago Silva representou uma baixa enorme, bem maior do que se imaginava, técnica, tática e emocionalmente! Na verdade, o time brasileiro era montado em razão do Neymar e a solidez da defesa (único setor forte da equipe) dependia demais da dupla Thiago Silva e David Luiz; sem o Thiago Silva, a coisa desandou. Mas mesmo com Neymar e Thiago Silva o Brasil teria perdido, possivelmente por um placar mais digno. 
Três razões (repetidas desde o começo da Copa por muitos especialistas) justificariam a derrota: a) a limitação técnica da equipe, como já dizia um comentarista gaúcho: "O time brasileiro é um deserto de talentos, lotado de jogadores medianos."; b) a instabilidade emocional, nunca se viu uma seleção chorar tanto e ser tão suscetível à pressão da torcida; c) taticamente o time é um desastre e a relutância do técnico em fazer qualquer alteração substancial no esquema já sugeria para muitos especialistas que o Brasil não chegaria à final.

terça-feira, 8 de julho de 2014

LIÇÕES CHILENAS


1. No Chile, as manifestações sociais acontecem sempre, quase todo dia, com objetivos específicos; por lá, o povo, bastante politizado, não espera uma Copa do Mundo no país para protestar; sempre que há necessidade de aprovação ou de rejeição de algum projeto polêmico, em qualquer época, as pessoas ganham as ruas, sob o sol forte ou sob o frio intenso, num exercício exemplar de democracia participativa;   



2. No Chile, a presidente da República tem direito ao seu salário e pronto; não tem casa, comida nem roupa lavada por conta do Estado, bem diferente do que acontece por cá, no Brasil, pródigo em regalias para milhares e milhares de autoridades das mais diferentes esferas de poder;

3. No Chile, as receitas públicas, oriundas sobretudo da tributação das principais atividades econômicas – como mineração, fruticultura e pesca – são cuidadosamente revertidas em benefício da população, com subsídios generosos para os pobres (15% da população) e ainda mais generosos para os miseráveis (3% da população);  

4. Todo pobre chileno tem casa, comida e carro na garagem, graças, em muito, aos incentivos públicos; 

5. As cidades chilenas, em matéria de limpeza e transporte público, se assemelham às cidades de países desenvolvidos, tanto pela eficiência do serviço público, quanto pela consciência da população. 

sábado, 5 de julho de 2014

PELO MUNDO - CHILE





Casa do poeta Pablo Neruda em Valparaíso, Chile. 

SONETO LXVI

No te quiero sino porque te quiero
y de quererte a no quererte llego
y de esperarte cuando no te espero
pasa mi corazón del frío al fuego.

Te quiero sólo porque a ti te quiero,
te odio sin fin, y odiándote te ruego,
y la medida de mi amor viajero
es no verte y amarte como un ciego.

Tal vez consumirá la luz de Enero,
su rayo cruel, mi corazón entero,
robándome la llave del sosiego.

En esta historia sólo yo me muero
y moriré de amor porque te quiero,
porque te quiero, amor, a sangre y fuego.

Pablo Neruda