segunda-feira, 31 de agosto de 2015

DIREITA x ESQUERDA


"Na história humana concreta, não numa abstrata filosofia da história, as lutas pela superioridade alternam-se com as lutas pela igualdade."
"O impulso em direção a uma igualdade cada vez maior entre os homens é, como Tocqueville havia observado no século passado, irresistível. Cada superação desta ou daquela discriminação, com base na qual os homens dividiram-se em superiores e inferiores, em dominadores e dominados, em ricos e pobres, em senhores e escravos, representa uma etapa, por certo não necessária, mas possível, do processo de civilização. Jamais como em nossa época foram postas em discussão as três fontes principais de desigualdade: a classe, a raça e o sexo. A gradual equiparação das mulheres aos homens, primeiro na pequena sociedade familiar, depois na maior sociedade civil e política, é um dos sinais mais seguros do irrefreável caminho do gênero humano rumo à igualdade." (Norberto Bobbio. Direita e Esquerda)

domingo, 30 de agosto de 2015

ALTOS E BAIXOS


EM ALTA

A Transposição do Rio São Francisco, que começa a sair do papel, para irrigar as esperanças de 12 milhões de nordestinos vulneráveis ao flagelo histórico da seca; uma ideia nascida no longínquo ano de 1847, ainda no Brasil Império de Dom Pedro II, tida, já à época, por alguns, como a única solução para a seca do Nordeste. Que um novo tempo floresça no sertão nordestino! "Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage." (Vozes da Seca, Luiz Gonzaga & Zé Dantas)

EM BAIXA

A ideia do Governo Federal de ressuscitar a CPMF, para fazer frente à queda da arrecadação, sem antes ao menos tentar aprovar o Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto na Constituição Federal desde 1988.

EM ALTA

A passagem de Pepe Mujica pela libertária Universidade Estadual do Rio de Janeiro, prova de que a esquerda latino-americana continua a sonhar e a lutar por um mundo melhor. Afinal, "sem solidariedade não há civilização."

EM BAIXA

O silêncio da militância da direita diante da corrupção dos seus amigos, depois de tanto vociferar contra a corrupção dos seus inimigos.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

NECESSIDADE JURÍDICA NO PROCESSO PENAL


Quando o acusado, no processo penal, tendo condições financeiras, não constitui advogado, quem deve defendê-lo? Um advogado dativo ou um defensor público?
Como a defesa técnica, no processo penal, é indispensável, trata-se de um típico caso de necessidade jurídica que atrai a atuação do defensor público, com fundamento, dentre outros, no art. 8.º, 2, e, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que estabelece, dentre as garantias judiciais, o "direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei".
Nesse sentido, Rubens Casara e Antonio Pedro Melchior entendem que, "se o réu não constituir advogado, mesmo tendo recursos para tanto, a atuação do defensor público é obrigatória, já que a defesa técnica é indisponível no processo penal. Percebe-se, com facilidade, que no processo penal a atuação do defensor público não está vinculada à condição financeira do assistido." (Teoria do Processo Penal Brasileiro, Vol. 1, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p, 497). 
Endossando a hipótese de necessidade jurídica para atuação do defensor pública, o art. 6.º, § 1.º, da Resolução n.º 85/2014 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União dispõe que: "A atuação na persecução penal independerá da necessidade econômica do beneficiário quando, na condição de réu, intimado para constituir advogado, não o fizer, e sobrevir nomeação judicial da Defensoria Pública da União".   
Tal entendimento também foi acolhido pelo Projeto de Novo Código de Processo Penal, já aprovado pelo Senado Federal, nos seguintes termos: "Com o fim de assegurar o contraditório e a ampla defesa no âmbito do processo penal, caberá à Defensoria Pública o patrocínio da defesa do acusado que, por qualquer motivo, não tenha constituído advogado, independentemente de sua situação econômica, ressalvado o direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si defender-se, caso tenha habilitação." (art. 59, § 1.º, PLS 156/2009).
O art. 263, caput, do atual Código de Processo Penal dispõe que: "Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação". O defensor a que se refere o atual CPP, que é de 1941, numa interpretação histórico-evolutiva, não poderia atualmente ser outro que não o defensor público, ressalvadas as comarcas onde não haja Defensoria Pública instalada. 

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O OITO E A NOITE



     A letra N é o símbolo matemático do infinito e o 8 (oito) deitado (Lemniscata) também simboliza o infinito. No latim e em outras línguas dele derivadas ou por ele influenciadas, a palavra Noite significa a união do infinito  pois, para os antigos romanos, a noite começava mas não terminava; quando se acordava já era dia  e é, curiosamente, em todas elas, formada pelo N, acrescido da palavra oito na respectiva língua: 

Latim: --------- Nocte = N + octo
Português: ---- Noite = N + oito
Inglês: --------- Night = N + eight 
Alemão: ------- Nacht = N + acht 
Francês: ------- Nuit = N + huit 
Italiano: ------- Notte = N + otto
Espanhol: ----- Noche = N + ocho

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

VIDA DE REPÚBLICA V


Quando cheguei de surpresa no fim de tarde de domingo de Páscoa, a Residência estava revirada. Gente espalhada pelo chão, dormindo ou em coma, bebida, cigarro, resto de comida, o som ainda ligado, uma placa de bar num compartimento da casa, um cenário decadente e desolador. A nova direção da entidade estudantil da Universidade havia promovido mais um encontro. Dois novatos nossos, acolhidos ingenuamente depois de sucessivas expulsões de outras REUs, compunham a chapa única que assumiu o diretório e deram de usar a 1665 como ponto de encontro.  
Cabeça, que até então causara poucos problemas, aliou-se aos novatos e, de uma vida apenas boêmia, passou à farra sem controle, fechando o trio infernal. Dizia que não usava droga há oito anos, quando ainda estava na Casa do Estudante, mas, logo que chegaram os novatos, resolveu tirar todo o atraso.   
Numa das primeiras noites de festa, às três da manhã, sem conseguir dormir pela algazarra e pelo barulho alto do som, tomei coragem e fui reclamar. Doze rapazes e três moças numa roda grande compartilhavam um comprido cigarro de maconha. Cabeça, ao me avistar, abriu um riso enigmático, anunciou-me ao grupo com entusiasmo e, entre elogios, me ofereceu o cigarro.   
Tomei o cigarro, senti seu cheio forte, sob o olhar curioso da roda, fingi colocá-lo na boca e, de repente, larguei-o no chão e o amassei com o pé, com força, para o espanto e desalento dos observadores. Dei as costas, ninguém disse uma única palavra, deitei novamente e meia hora depois desapareceram os últimos vestígios da turma.
No dia seguinte tudo recomeçava como se nada tivesse acontecido. Não adiantava protestar, pedir moderação, ameaçar levar o caso para a Pró-reitoria, todo dia tinha encontro e após os debates sobre os problemas do mundo a farra começava.
Durante alguns meses tivemos que suportá-los. Não tínhamos maioria. Era Caçador, Sanção e eu contra Cabeça, Pedro Henrique e Bittencourt. Com Sanção ensinando história em Cascavel e raramente dando o ar da graça, o resultado das reuniões acabava quase sempre em três a dois a favor deles. Como nenhuma outra residência quis aceitar a transferência dos nossos meninos, a Pró-reitoria nos deixou à própria sorte.  
No final do ano, o quadro começou a mudar. Cabeça encerrou o período de tolerância e foi excluído formalmente do programa pela Pró-reitoria. Passamos a ser maioria e, apesar dos dissabores, resolvemos aprovar a permanência informal do Cabeça, sob a condição de ele largar as farras na casa. Durante pouco mais de uma semana o acordo foi regularmente cumprido; depois, tudo voltou ao anormal.
No começo do ano recebemos Irmão Chico, protestante que aparentava austeridade na fé cristã, mas já acumulava três expulsões de residências diferentes. Nada obstante, com a chegada dele alimentamos a esperança de virar definitivamente o jogo contra a turma da farra.
T.A. era um hóspede que aparecia volta e meia de um interior distante fazendo amizade com gerações sucessivas da casa para filar um ou dois dias acomodado na capital enquanto pegava um dinheiro com o chefe do partido e fazia uma visita sorrateira a uma mulher casada no Zé Walter. Certa manhã, enquanto T.A. tomava café sem tirar os olhos de uma loira bonita de saia que dormia no chão da sala com as pernas entreabertas, Irmão perguntou-lhe o significado da sigla T.A.  
– É tabaco arreganhado, Irmão! É tabaco arreganhado!
Ninguém acreditava no puritanismo do Irmão depois de sua vida eivada de perversão. De qualquer sorte, não se lhe pode negar a importância no processo de reorganização da casa. O primeiro passo foi estabelecer a proibição de bebida alcoólica e cigarro (de qualquer gênero) no interior da casa. Como a medida foi reiteradamente descumprida, aprovamos, em meio a acalorados debates que por pouco não culminaram nas vias de fato, a expulsão da famigerada dupla Pedro Henrique e Bittencourt. Como ambos protestaram contra o tratamento desigual dado a Cabeça, fixamos para os três o prazo de trinta dias para se retirarem da casa. Durante esse prazo, ainda testemunhamos resignadamente ao menos umas vinte festas dionisíacas, afixando no flanelógrafo a cada cinco dias o tempo remanescente do trio.
No dia designado para a saída, permanecemos todo o tempo na sala de estudo, reunidos, à esperada da iniciativa deles, que não eram vistos desde o dia anterior. Quando já escurecia e as esperanças esmaeciam, apareceram os três, serenos e indiferentes, numa camionete de mudança que, em alguns minutos, partiu sem nenhuma despedida. 

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

16 DE AGOSTO


Os eixos principais das manifestações de 16 de agosto foram: 1) O apoio velado a um candidato derrotado nas urnas que não teve a hombridade de reconhecer a derrota e com isso se apequena politicamente cada vez mais; 2) O retorno da ditadura militar (sic); 3) O retorno da monarquia (sic); 4) A promoção do pré-candidato neofascista Jair Bolsonaro (sic); 5) O apoio a Eduardo Cunha, sujeito que acaba de ser denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, para que ele deflagre o impeachment da presidenta Dilma, contra quem não pesa um único indício na mesma operação ou em qualquer outra investigação policial... Enfim, pela anti-aula de história e pelo espetáculo dantesco de incoerência e ódio encenados nesses protestos, pouco importando se os seus militantes são da elite, classe média ou plebe, é preferível ficar do lado da democracia. 

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL


"Do século XVIII ao século XX, o mundo atravessou duas grandes revoluções – a da liberdade e a da igualdade – seguidas de mais duas, que se desenrolam debaixo de nossas vistas e que estalaram durante as últimas décadas. Uma é a revolução da fraternidade, tendo por objeto o Homem-concreto, a ambiência planetária, o sistema ecológico, a pátria-universo. A outra é a revolução do Estado social em sua fase mais recente de concretização constitucional, tanto da liberdade como da igualdade.
Se as duas primeiras tiveram como palco o chamado Primeiro Mundo, a terceira e a quarta têm por cenário mais vasto para definir a importância e a profundidade de seus efeitos libertários aquelas faixas continentais onde demoram os povos subdesenvolvidos.
Aí, o atraso, a fome, a doença, o desemprego, a indigência, o analfabetismo, o medo, a insegurança e o sofrimento acometem milhões de pessoas, vítimas da violência social e das opressões do neocolonialismo capitalista, bem como da corrupção dos poderes públicos. Impetram essas massas e esses povos uma solução dirigida tanto à sobrevivência como à qualidade da vida digna.
Cada revolução daquelas intentou ou intenta tornar efetiva uma forma de Estado. Primeiro, o Estado liberal; a seguir, o Estado socialista; depois o Estado social das Constituições programáticas, assim batizadas ou caracterizadas pelo teor abstrato e bem intencionado de suas declarações de direitos; e, de último, o Estado social dos direitos fundamentais, este, sim, por inteiro capacitado da juridicidade e da concreção dos preceitos e regras que garantem estes direitos."
(Paulo Bonavides. Do Estado Liberal ao Estado Social. Malheiros. 8.ª edição. 2007. São Paulo. p. 29)

terça-feira, 11 de agosto de 2015

DO DIREITO DO MAIS FORTE - ROUSSEAU


O mais forte nunca é bastante forte para ser sempre o senhor, se não transformar sua força em direito e a obediência em dever. Daí o direito do mais forte, direito tomado aparentemente com ironia e na realidade estabelecido como princípio. Mas será que um dia nos explicarão essa palavra? A força é um poder físico; não vejo que moralidade pode resultar de seus efeitos. Ceder à força é um ato de necessidade, e não de vontade; é, quando muito, um ato de prudência. Em que sentido poderá constituir um dever?
Suponhamos por um momento esse pretenso direito. Digo que dele só resulta um galimatias inexplicável. Pois, tão logo seja a força que gera o direito, o efeito muda com a causa; toda força que sobrepuja a primeira há de sucedê-la nesse direito. Tão logo se possa desobedecer impunemente, torna-se legítimo fazê-lo, e, como o mais forte sempre tem razão, basta agir de modo a ser o mais forte. Ora, o que é o direito que perece quando cessa a força? Se é preciso obedecer pela força, não há necessidade de obedecer por dever, e, se já não se é forçado a obedecer, também já não se é obrigado a fazê-lo. Vês, pois, que a palavra direito nada acrescenta à força; não significa, aqui, absolutamente nada. 
Obedecei aos poderosos. Se isso que dizer: "cedei à força", o preceito é bom, mas supérfluo; afirmo que jamais será violado. Todo poder vem de Deus, reconheço-o, mas também todas as doenças. Significa isso que não se deva chamar o médico? Quando um bandido me ataca num canto do bosque, não só preciso entregar-lhe forçosamente minha bolsa, mas também, caso pudesse salvá-la, estaria obrigado, em sã consciência, a entregá-la? Afinal, a pistola que ele empunha é também um poder. 
Convenhamos, pois, que a força não faz o direito, e que só se é obrigado a obedecer aos poderes legítimos. Assim, minha pergunta inicial permanece de pé.
(Jean-Jacques Rosseau. O Contrato Social. Martins Fontes. 3.ª edição. São Paulo. 1999. pp. 12/13)

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

COMPADRISMO


Me incomoda bastante a leniência da justiça no combate à corrupção de partidos como o PSDB, DEM, PP, etc., em contraste com a voracidade com que essa mesma justiça ataca a corrupção do PT, mas também me incomoda quem defende o Zé Dirceu como se estivesse defendendo um mártir da luta por um mundo melhor, a própria justiça social ou a esquerda inteira do Brasil. Ora, por tudo que se tem tornado notório ao longo de quase uma década de investigações, quem defende o Zé Dirceu não está defendendo outra coisa que não o modo Zé Dirceu de fazer política, ou seja, o velho e abominável fisiologismo, que, se é a forma mais cômoda de se chegar e se manter no poder, não é a única nem a mais aconselhável; algo que não passa de um mau vezo político orientado pela máxima maquiavélica de que os fins justificam os meios, tão combatida outrora pelo próprio PT, que, seduzido pelo poder, agarrou-se ao fisiologismo a ponto de (confortável) afastar-se das bases populares em que foi gestado e ainda se arvorar no senhor absoluto do progressismo do país.