sexta-feira, 30 de setembro de 2016

T. S. ELIOT


In the middle, not only in the middle of the way
but all the way, in a dark wood, in a bramble,
On the edge of a grimpen, where is no secure foothold,
And menaced by monsters, fancy lights,
Risking enchantment. Do not let me hear
Of the wisdom of old men, but rather of their folly,
Their fear of fear and frenzy, their fear of possession,
Of belonging to another, or to others, or to God.
The only wisdom we can hope to acquire
Is the wisdom of humility: humility is endless.

The houses are all gone under the sea.

The dancers are all gone under the hill.

(T. S. Eliot. Four Quartets)

No meio, não apenas no meio do caminho
mas ao longo do caminho, numa densa mata, num cipoal,
Na beira de um precipício, sem ter onde pisar,
Acossado por monstros, luzes surreais,
Meio enfeitiçado. Não desejo ouvir
A sabedoria do ancião, mas a sua loucura,
O seu medo de ter medo e a sua inquietação, o seu medo de ser dominado,
De pertencer ao outro, para o outro, ou para Deus.
A única sabedoria que desejo ter
É a sabedoria da humildade: a humildade sem fim.

As casas estão todas sob as águas.

Os dançarinos estão todos sob o chão.

(T. S. Eliot. Quatro Quartetos) (livre tradução)

VIDA DE REPÚBLICA VIII


A chegada do Gilmar foi um alento. Sujeito tranquilo, sábio, humilde. Era sobralense e a afinidade foi instantânea. Havia estudado em bons colégios, curtido uma infância e adolescência confortáveis, até a família sofrer um golpe do destino. Em verdade, um golpe de um agiota que se passara por amigo da família. O sujeito volta e meia almoçava na casa da família, seu Greta tinha nele um confidente, era praticamente um de casa. No entanto, depois da insistência do usurário, seu Greta tomou-lhe dois milhões de cruzeiros emprestados. Pouco tempo depois, a dívida atrasou, o amigo sumiu e apareceu o oficial de justiça com a polícia para penhorar a oficina de carros da família, de onde ela tirava todo o seu sustento.
A decepção talvez não fosse maior se não houvesse a agravante de ser o agiota um padre.
Depois do episódio, a família perdeu a veia capitalista. Os filhos saíram da escola particular e Gilmar acabou na Residência 1665 para estudar economia e se aprofundar em Marx.       
Com Gilmar, a troca de ideias era permanente. Debatíamos quase tudo, filosofia, história, música, futebol e até briga de galo. Gilmar assistira a muitas rinhas em Sobral e estava convicto de que a natureza dos galos os predispunha para o combate. Eu preferia acreditar que nas rinhas havia mais adestramento do que combatividade natural dos animais.  
Quando defendi que a resistência negra à escravidão teria sido tímida, contestou com veemência a ideia, obtemperando que a resistência negra foi maior do que se poderia esperar diante do bacamarte do opressor. 
Gilmar era um intelectual de esquerda, grande leitor, amante da cultura universal, companheiro de viagens, fã do Chico e do Belchior e, acima de tudo, um poeta, um poeta no sentido mais genuíno do termo. Foi por intermédio do Gilmar que cheguei em Dostoiévski, Borges, Rimbaud... 
Gilmar era um misto de filósofo pré-socrático e boêmio moderno, avesso ao vil metal, simpático ao budismo, flamenguista, chegado ao jazz de Sarah Vaughan e ao tango do Piazzolla e, obviamente, a um café e um chope. Tomamos muitos juntos e foram nesses momentos que as ideias fluíram melhor. Aliás, continuamos a tomar até hoje; afinal, Gilmar se tornou um amigo para a vida inteira, um daqueles que se contam nos dedos de uma mão. Decerto, a melhor herança da 1665.

sábado, 24 de setembro de 2016

CURTA-METRAGEM


Recebi há pouco e-mail com o seguinte teor:

"Assunto: Direitos autorais - Texto: 'Insana Guerra'

Olá, sr. Francisco! Tudo bom?

Sou o Fillipe dos Santos, diretor de produção em São Paulo. Estava na internet a procura de textos/poemas/poesias que possam gerar um bom roteiro e impacto para um curta-metragem promovendo a paz mundial e acabei encontrando seu texto, o 'Insana Guerra'. Gostaria de sua autorização para que eu possa criar um curta com base no seu texto. Quero deixar claro que o curta-mentragem não irá nos dar retorno financeiro. Seu nome estará nos créditos como autor do texto. Desde já agradeço e aguardo retorno.

Abraços!
Atenciosamente,
Fillipe d. Santos | Zero11 Agência
Dir. de Produção | (11) 2816-8493"

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

SONETO VI


Papagaio adestrado que repete
Cantilenas de livros ancestrais,
Passa o dia cuidando do topete
E a noite sonhando com metais.

Segue a vida tal qual marionete,
 Acredita em seres imortais;
Recusou a esmola do pivete,
Num boteco, cercado de vestais.

Preconceitos nutridos na fazenda;
São criados devotos de uma lenda
De que o mundo seria sempre igual.

Eu prefiro seguir por outra senda;
A difícil missão de uma emenda
 Do humano perdido em seu quintal.

Eliton Meneses

sábado, 17 de setembro de 2016

RAÍZES


Já não era o mesmo
Perdera o encanto
O trigo plantado
Na terra secou
Sonhara na messe
Fizera uma aposta
As velhas raízes
Não mais brotarão
A curva da história
Trará novo tempo
Todos de mãos dadas
Aos poucos iguais
Castelo de areia
As velhas raízes
Latentes na curva
Depois do sereno
Brotaram do chão
Há ódio na gente
O novo não veio
O aplauso de ontem
Também definhou
Horda puritana
De faca nos dentes
Por tamanha afronta
Só fala em prisão

Eliton Meneses

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

TRIPLEX DO GUARUJÁ


A usucapião do famigerado Triplex do Guarujá – uma ação civil para o reconhecimento de propriedade – exigiria do Lula a prova de que possuía o imóvel como seu, ou seja, como dono, por 15 (quinze) anos ininterruptos e sem oposição (art. 1.238, Código Civil).
Na última usucapião que dei entrada, a petição inicial foi acompanhada de 126 (cento e vinte e seis) documentos comprovando a posse do imóvel, mas, ao longo do processo, ainda se exigiram outras provas.
Na ação penal por corrupção contra o Lula, quantas provas da posse do Triplex serão exigidas para a condenação?
– Nenhuma. Deixem de ser besta: Lula já está condenado! Com prova ou sem prova. Quando há a intenção de condenar, basta convicção, ilação e malabarismo retórico.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

CERTEZA


Um professor de filosofia me dizia que começou suas investigações com muitas certezas, mas concluía a vida com apenas três: uma no passado, a certeza de que havia nascido; a segunda no futuro, a certeza de que de iria morrer, e a última no presente, a certeza de que Deus existe.
Em matéria de certezas, fico com Fernando Pessoa:
"Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?"

domingo, 4 de setembro de 2016

ANTÍGONA :: SÓFOCLES


"Há leis que não são direito e há um direito acima das leis (...) Quando nem sequer se aspira a realizar a justiça, quando na formulação do direito positivo se deixa de lado conscientemente a igualdade, que constitui o núcleo da justiça, então não estamos diante de uma lei que estabelece um direito defeituoso, mas o que ocorre é que estamos diante de um caso de ausência de direito." (Gustav Radbruch)


sexta-feira, 2 de setembro de 2016

SONETO V


Neste templo sombrio onde paraste,
 Vigem regras deveras obscuras;
Os pastores dirão que claudicaste
Ao rebanho sedento de almas puras.

Saberás para sempre que erraste;
Foste igual nesta vida a vis figuras;
Doravante, porém, que acordaste,
Afianças debalde as tuas juras. 

Não soubeste domar o teu instinto;
Te deixaste cair num labirinto,
Seduzido por falsas tentações. 

Não querias saber o que eu sinto,
 Nunca mais sairás desse recinto,
Onde sofres eternas provações.

Eliton Meneses